quinta-feira, 3 de abril de 2008

"Quem não deve não teme", assume Rui Correia, director da DRELVT, em entrevista sem papas na língua

Rui Correia, responsável e professor experiente, passa em revista a crise na Educação

“Quem não deve não teme”


Abrir a porta da escola e entrar na sala de aula, descobrir as tensões que lá se vivem, saber quem faz a gestão do tempo, do saber, dos limites e a negociação disto tudo. A mediatização da crise de autoridade, reacendida durante mais uma reforma da Educação, com os incidentes polémicos na Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto, no mês de Março, alerta para um mundo escolar em mudança.
Rui Correia, actual director regional-adjunto na Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DRELVT), de 41 anos, dos quais 20 como professor do Ensino Secundário, garante que a escola tem que estar atenta à comunidade, aos seus alunos específicos e disponibilizar ofertas diversificadas. Com a consciência de que essa oferta oferece cada vez mais desafios, porque os jovens, os professores, os pais e os autarcas de hoje são outros, tal como outros são hoje os portugueses com que se cruzava durante a entrevista, num breve e simbólico passeio pelo Parque das Nações, em Lisboa.



O novo estatuto do aluno promove ainda facilitismo ao permitir que os alunos transitem de ano sem ir às aulas desde que tenham aproveitamento numa prova de recuperação?
Não, e é necessário perceber que não existe um novo estatuto do aluno, mas sim uma rectificação do anterior. Os alunos dentro da escolaridade obrigatória, já à luz da legislação anterior, não podiam reprovar por faltas, porque, se a escolaridade é obrigatória, o sistema não os pode pôr fora.
Antes, quando o aluno atingia o limite máximo de faltas, no final do ano lectivo, o Conselho de Turma decidia se o aluno estava ou não em condições de transitar de ano. Agora, o Conselho reúne para a mesma avaliação, mas o aluno fica também sujeito a uma prova. A diferença é que o critério do Conselho de Turma era subjectivo, visto não existir nada que permitisse averiguar se o aluno estava ou não em condições de fazer a tal transicção. Não temos facilitismo, mas sim mais uma ferramenta que pode ajudar nessa decisão.

A avaliação de desempenho dos professores é necessária para garantir uma reforma?
Qualquer profissional de qualquer profissão entende que, para que a sua actividade seja valorizada, deve ser submetido a um processo de avaliação e os professores não são excepção. Todos os funcionários públicos são sujeitos a um sistema de avaliação, logo, a avaliação do desempenho dos professores é estritamente necessária.

O desconforto e a contestação desta avaliação de professores também o atingem como profissional experiente de Educação?
Eu sempre lutei por um sistema de avaliação que permitisse distinguir os que trabalham daqueles que trabalham menos. Sempre houve avaliação, mas a progressão era quase automática, de acordo com os anos de ensino e com determinadas horas de formação, sendo que essa ficava ao critério do professor, mesmo que a área fosse outra. O que interessava era apresentar um documento comprovativo dessa formação e mais outro do trabalho realizado durante um período de quatro anos. Este sistema não nos levaria a nada.
Todos os professores eram classificados, no antigo sistema de avaliação, com um satisfaz e apenas uma pequena percentagem requeria ser classificado com um bom, tendo que justificar essa distinção. Esse sistema era desmotivante visto que todos progrediam igualmente, independentemente do seu esforço pessoal. A avaliação é o que é e quem não deve não teme.

Este novo sistema de avaliação pode fazer com que os professores regridam na carreira?
Não há um processo de regressão na carreira, mas sim mecanismos que fazem com que um professor, se tiver mais de duas menções seguidas de insuficiente, possa vir a ter arestas para limar. Se um profissional é considerado, por duas vezes, através de uma avaliação, que não está apto, é importante reconsiderar a sua carreira e pedir uma requalificação profissional. São duas menções porque, caso a primeira seja insuficiente, o professor tem dois anos para rever o que fez e melhorar o desempenho e, assim, na próxima avaliação possa ter uma menção satisfatória.

Qual é o principal motivo pelo qual os professores estão desagradados com esta avaliação?
Eu não sei se os professores demonstram esse desagrado. Aquilo que os sindicados têm dito é que os professores querem o sistema de avaliação. O que poderá estar em causa é a forma como se pretendeu implementar este sistema e que as pessoas não se revejam neste processo de avaliação. A contestação poderá vir pelo facto das pessoas estarem habituadas a um determinado sistema e quando este é alterado é natural que cause ansiedade e perplexidade.
Para já, a avaliação é um processo de dois anos e os professores que necessitam rigorosamente da avaliação são os contratados e aqueles que estariam em condições de progredir na carreira. Para não os prejudicar é necessário que tenham a avaliação feita.

O novo estatuto do aluno e o processo de avaliação do desempenho dos professores enfraquece a imagem de respeito e autoridade dos professores?
A avaliação do professor inclui também os resultados dos alunos, que são diferentes da avaliação dos alunos. Vamos avaliar objectivos e resultados em períodos de dois anos, que estão relacionados com o contexto socio-económico em que a escola e os alunos se enquadram com o professor. E os resultados que são espectáveis dos alunos são diferentes. Como é o próprio professor, juntamente com o seu avaliador, que estabelece os objectivos pretendidos, este terá de ter em conta os resultados que são possíveis de serem atingidos por parte dos alunos. Em geral, na avaliação do professor, os resultados dos alunos valem 6,5 por cento, portanto, isto vale o que vale.

Como interpreta as agressões feitas a uma professora da Secundária Carolina Michaelis, no Porto, pela aluna a quem retirou o telemóvel na sala de aula?
É lamentável e é uma questão complexa, apesar de não ser o dia-a-dia das nossas escolas, onde este tipo de situações não têm a dimensão que a comunicação social passa à população. A escola em causa é uma escola que raramente teve problemas disciplinares e daí este impacto, diferente de uma escola que esteja habituada a ter problemas semelhantes, como aquelas que estão perto de bairros complicados, visto serem situações banalizadas.
Eu não vejo a comunicação social interessada quando uma escola portuguesa ganha um prémio internacional, assim como não mostrou interesse quando, pela primeira vez no ano passado, os alunos do ensino secundário tiveram melhores resultados a nível geral e em que houve um maior número de ingressos no ensino superior, tendo em conta a tendência dos últimos 10 anos.

Quem são os principais responsáveis por este tipo de comportamentos agressivos e pouco civilizados dos alunos nas escolas?
Acho que os responsáveis somos todos nós. As escolas não são ilhas isoladas numa sociedade, estão inseridas em comunidades concretas. E as sociedades modernas vivem crises de valores, devido à sua natural complexidade. Hoje temos um conjunto, lamentavelmente grande, de alunos que não têm o apoio familiar necessário. Não sei se é o caso da aluna em questão, mas se a escola pode ajudar na cidadania, não tem capacidade de resolver os problemas sociais, porque não tem meios nem é sua missão, assim como não compete ao Ministério da Educação determinar se uma comunidade necessita de mais policiamento.
A escola tem que investir em termos de organização já que funciona como que a tempo inteiro.
Com as aulas de substituição houve um decréscimo de cerca de 90 por cento de acidentes na escola e conseguimos diminuir a violência, mas não a indisciplina.

Que medidas medidas concretas podem motivar a comunidade escolar a dar um salto de desempenho?
A escola tem de estar atenta à comunidade e ao seus alunos específicos e disponibilizar ofertas diversificadas. Não pode ser encarada como um percurso apenas para os alunos que pretendem prosseguir estudos no ensino superior. Há um novo esforço na resposta, já que pela primeira vez, no ano passado, se verificou um aumento de alunos no sistema educativo, ao contrário da década anterior. E é importante distinguir a desmotivação da indisciplina e esta da violência. A nova legislação de Janeiro último determina que qualquer tipo de agressão feita a um funcionário público é crime público, tendo de ser necessariamente reportado ao Ministério Público. Antes, se um professor fosse agredido só podia ser o próprio a fazer queixa-crime para haver intervenção do Ministério Público. Mas um aluno não deve ter um processo-crime no Ministério Publico, porque teima em não tirar o boné da cabeça. A sociedade tem de manter alguma calma e não promover manifestações apressadas de pânico.



Um aluno que teima em não tirar o boné da cabeça deve/pode ser responsabilizado pela sua indisciplina, talvez pela primeira vez na adolescência, por um adulto/professor que não veste “fashion” nem “curte bem” tecnologias ou música “cool”. Numa sociedade que só tem olhos para a representação, é esta negociação com a adolescência, entre grupos e valores em mudança, a que a Escola de hoje procura responder com um percurso com várias saídas e não só a universitária.
Para Rui Correia, a sociedade tem de manter alguma calma e não promover manifestações apressadas de pânico, porque a Escola é o lugar onde cada um descobre a sua identidade e é naturalmente avaliado pelo seu desempenho. Professores e alunos e pais e auxiliares de acção educativa podem requalificar a Escola, porque é nela que muitas vezes começa o sonho. De ser melhor, mais autónomo, mais “cool”.



Quem é quem
A voz:
Rui Correia, director regional-adjunto na Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DRELVT)
Estudos: Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas e Formação Profissional Pedagógica
Experiência profissional: 20 anos de ensino secundário
Em que escolas: EB23 Luís de Camões (Lisboa), Secundária de Portalegre, Secundária Alfredo da Silva (Barreiro), EB23 Professor Agostinho da Silva (Casal de Cambra), EB23 Vasco Santana (Ramada, Odivelas) e na Secundária Mães d'Água (Amadora)
(c) Bruno Figueiredo Moutinho 2008